

§ Nas
obras literárias
O Adamastor foi um personagem a quem se fez referência em muitas obras. Os primeiros autores a falar dele foram Virgílio, na “Eneida” e Homero, na “Odisseia”. Em ambas as obras, lhe são feitas apenas breves referências, mas com nomes ligeiramente diferentes, e através de filhos seus. Na “Eneida”, seu filho Aqueménides diz: “(...) a pobreza de meu pai Adamasto.”; na “Odisseia”, é o narrador que diz: “Agelau, filho de Damastor (...)”. É curioso notar que nesta obra, como Agelau desempenha um papel relativamente importante (ver o capítulo “A história de Adamastor”), o seu nome é citado várias vezes. Mas sempre que isso acontece, é indicada a sua ascendência: na sua apresentação, no encorajamento dos pretendentes a Penélope, quando é ferido,... Não se sabe se essa repetição é ocasional ou intencional.
Há ainda mais duas obras onde ele é falado. Primeiro em “Gigantomachia” de Claudiano, e depois na “Oficina” de Ravísio Textor. Pensa-se que foi nalgum destes livros que Camões se baseou para introduzir no seu poema épico a figura robusta de Adamastor.
Depois de Camões vieram outros poetas que se inspiraram nesta ideia de representar o medo dos portugueses pelo Cabo das Tormentas, na forma de um monstro. É o caso de Fernando Pessoa, que na segunda parte da sua obra “Mensagem”, chamada “Mar Português”, escreveu a poesia “O Mostrengo”.
O Mostrengo, ao contrário do Adamastor, não é o Cabo da Boa Esperança (ou das Tormentas). É um ser monstruoso que aparece nesse local, mas que voa e chia, tipo um morcego (“O mostrengo (...)”; “Voou três vezes a chiar”; “Três vezes rodou imundo e grosso”). Para intensificar a ideia do medo, o poeta pô-lo a habitar em cavernas subaquáticas, uma metáfora dos perigos do mar. (“(...)Quem é que ousou entrar / Nas minhas cavernas que não desvendo”)
Tal como Adamastor, interpela o marinheiro português, o homem do leme, de uma forma irada e ameaçadora, também com o objectivo de aterrorizar, mas não mostra conhecer quem o afrontam, por isso apenas interroga que vem lá (“Quem é que ousou entrar”; “De quem são as velas onde me roço?”; “Quem vem poder o que só eu posso”). Não acusa os portugueses de nenhum crime, nem dita castigos a torto e a direito, apenas quer defender o mar que considera seu.
Mesmo assim o homem do leme assusta-se (“E o homem do leme tremeu (...)”). Recompõe-se depois e enfrenta o mostrengo com coragem e determinação, pois sabe que representa uma nação inteira, comandada por D. João II (“Sou um povo que quer o mar que é teu”; “Manda a vontade, que me ata ao leme / De El-Rei D. João II! ”). Também este marinheiro não foi demovido pelo monstro, e mais uma vez, a valentia e ousadia do povo português vence os medos e outras dificuldades que o mar apresenta. Este mostrengo não revela qualquer sentimento humano, é sempre e só uma figura ameaçadora e azeda até ao fim, não tem o cunho de verdadeira personagem que Camões atribuiu ao Adamastor.
Mais recentemente, Manuel Alegre em “As naus de verde pinho” relata um episódio com outro monstro, que surge no mesmo sítio, mas disfarçado de marinheiro com uma perna de pau. Ele revela-se a Bartolomeu Dias mas não de imediato como o monstro. No meio de uma tempestade, que surge quando as naus atingem os Cabo das Tormentas, o marinheiro, que já fizera outras viagens vai predizendo enormes desgraças para as caravelas se elas não voltarem para trás e tentarem dobrar o cabo (“Vereis água a ferver / Quem quiser aqui passar / no inferno vai arder”). Como a determinação de Bartolomeu Dias é inabalável, atravessam a tempestade e dobram o cabo. Ainda numa última tentativa para os fazer desistir, Perna de Pau diz: “Se navegares mais um dia / outros monstros hás-de achar / outros cabos outros perigos”. Já irritado com esta insistência, Bartolomeu Dias pergunta-lhe se ele é o Diabo, e só então o monstro finalmente aparece, tentando impedi-lo de ir mais adiante.
Mas mostrando uma soberba dose de valentia, o comandante não se deixa intimidar e grita ao Gigante, tal como o homem do leme ao Mostrengo, que representa uma nação, e que por isso nem ele, nem nenhum outro monstro o poderá parar. (“Ouve lá Perna de Pau / eu trago no coração / um país a navegar / e não há nenhum gigante / que me faça recuar”; “Eu sou Bartolomeu Dias / e juro que hei-de passar.”)

E assim, tal como todos os outros gigantes é vencido pelos portugueses. Poderemos talvez dizer que o Perna de Pau é mais parecido com o Mostrengo do que com o Adamastor, excepto na forma, porque também ele é apenas a representação do medo dos perigos do mar, não tem uma vida própria.
É, no entanto, curioso que, sendo realmente Bartolomeu Dias o primeiro a defrontar o monstro, Fernando Pessoa e Manuel Alegre lhe tenham reconhecido esse mérito enquanto que Camões transfere essa glória para Vasco da Gama, parecendo fazer eco do descontentamento que D. João II manifestara quando o Cabo das Tormentas foi dobrado mas os marinheiros não prosseguiram a viagem mais além.
Muitos dos relatos de naufrágios ocorridos por causa do “Adamastor” (as tempestades do Cabo da Boa Esperança), como o de Sepúlveda e outros, foram coligidos numa obra por Bernardo Gomes de Brito, a “História Trágico-Marítima”. Esta não fala da grandeza dos descobrimentos, mas sim do seu lado mau: o desperdício de vidas, de materiais, de esforço e trabalho, todos levados pelo mar e pela ganância dos homens, que transformaram um grande feito numa mera fonte de lucro e enriquecimento rápido.